segunda-feira, agosto 02, 2021

Guerra Cultural - A Retórica do Ódio
João César Castro Rocha


O senhor entende que há uma guerra cultural especificamente bolsonarista e que ela difere de um conceito mais amplo de guerras culturais. Quais são os pilares dessa guerra cultural bolsonarista?

Eu não nego em nenhuma circunstância que há elementos dessa guerra cultural bolsonarista que são elementos transnacionais, que você vai encontrar na chamada alt-right americana, vai encontrar no Movement, do Steve Bannon; e há uma série de técnicas, sobretudo aquelas associadas à utilização muito hábil das redes sociais, que não são especificamente bolsonaristas ou particularmente brasileiras. Mas o que eu estou sugerindo, desde março de 2019, é que a guerra cultural bolsonarista é o eixo do governo. Isto, naquela época, parecia absurdo porque todos atribuíam às políticas anticorrupção do Sergio Moro e à agenda liberal econômica do Paulo Guedes os pilares fundamentais [do governo Bolsonaro], mas eu já afirmava que o eixo do governo como um todo é a guerra cultural bolsonarista.

Qual é o esteio da guerra cultural bolsonarista? O que conformou a mentalidade de Jair Messias Bolsonaro e seu clã? O Bolsonaro, mais do que um político, é uma franquia; há uma franquia Bolsonaro de políticos. A mentalidade de Jair Messias Bolsonaro foi formada pelo Exército brasileiro, mas moldada numa linha muito particular do Exército, que é marcada pelo ressentimento a partir da repercussão de um autêntico livro-monumento lançado em 1985 que é o livro Brasil: nunca mais. Esse é um livro particularmente importante porque denunciou as torturas, as arbitrariedades e desaparecimento de corpos da ditadura militar de uma forma incontestável. Sob o patrocínio do cardeal dom Paulo Evaristo Arns, ele principiou em 1979, quando os advogados de presos políticos tiveram acesso aos processos de seus clientes e ganharam o direito de ficar com eles durante 24 horas. Eles xerocaram os processos do Superior Tribunal Militar, reunindo aproximadamente 6 mil páginas, e eis a surpresa: em processos instruídos pela própria Justiça Militar, isto é pela própria ditadura militar, os presos denunciaram aos juízes militares as torturas que haviam sofrido. O Brasil: nunca mais reúne um conjunto de depoimentos de jovens de 20 e poucos anos, extraídos dos processos da Justiça Militar, em que todos fazem o mesmo relato, alguns dizem que foram usados como cobaia em aulas de tortura. É impressionante, um livro negro da ditadura militar.